A organização internacional Repórteres Sem Fronteiras (RSF) divulgou que elementos armados da polícia angolana cercaram, ontem de manhã, as instalações da Rádio Despertar, emissora com sede em Luanda conotada com a oposição angolana.
N um comunicado, a organização de defesa da liberdade de imprensa precisou que a acção policial ocorreu no mesmo dia em que um dos jornalistas da emissora, Gonçalves Vieira, foi detido.
Segundo a RSF, Gonçalves Vieira foi detido durante a cobertura jornalística dos preparativos de um protesto reprimido pela polícia na quarta-feira à tarde no centro de Luanda, e que pretendia denunciar “as detenções arbitrárias e a perseguição política em Angola”, em particular o caso de 15 jovens activistas, detidos desde Junho.
No mesmo texto, a organização relatou que Gonçalves Vieira conseguiu informar a emissora de que estava a ser detido e que ia ser transportado para um local incerto. O jornalista seria libertado duas horas depois.
“Condenamos estas tentativas de intimidação de jornalistas, que são planeadas para impedir os profissionais de fazer o seu trabalho”, afirmou Cléa Kahn-Sriber, responsável pelo núcleo África da RSF.
“Gonçalves Vieira estava apenas a fazer o seu trabalho, ao cobrir os preparativos desta manifestação. Independentemente do que a polícia alegou mais tarde, a manifestação foi anunciada com antecedência e foi autorizada”, acrescentou Cléa Kahn-Sriber.
Sobre o cerco à Rádio Despertar, a RSF afirmou que um dos responsáveis da emissora, Queiros Anastasios Chiluvia, relatou à organização internacional que vários elementos da polícia, alguns vestidos à civil, permaneceram durante todo o dia (quarta-feira) junto das instalações da estação.
A Polícia Nacional de Angola negou hoje que tenha feito detenções durante a manifestação em Luanda, garantindo que apenas “recolheu” jovens, entretanto libertados, por “tentarem alterar a ordem” na cidade.
Liberdade de Imprensa?
A Finlândia é o país mais favorável ao trabalho dos jornalistas. Portugal está no 26º lugar de uma lista de 180 países e territórios do mundo. Angola está no 123º e é o pior dos países lusófonos. Cabo-Verde está no 34º lugar.
Para a organização a RSF, sediada em Paris, a liberdade de imprensa sofreu um “declínio drástico” em todo o mundo em 2014, em parte devido a grupos extremistas como o Estado Islâmico e o Boko Haram.
“Houve uma deterioração geral ligada a diferentes factores, com guerras de informação, e acções de grupos não-estatais que agem como déspotas”, afirmou à AFP o secretário-geral da organização, Christophe Deloire.
O Índice da Liberdade de Imprensa de 2015 dos Repórteres Sem Fronteiras afirma que se registaram 3.719 violações à liberdade de informação em 180 países em 2014 – mais 8% do que no ano anterior.
No “top 10” da lista dos países e territórios mais favoráveis à liberdade de imprensa, a Noruega está na segunda posição, seguida da Dinamarca, Holanda, Suécia, Nova Zelândia, Áustria, Canadá, Jamaica e Estónia.
No âmbito da lusofonia, a Repórteres Sem Fronteiras coloca Cabo-Verde no 34º lugar, seguindo-se a Guiné-Bissau em 81º, Moçambique em 85º e o Brasil em 99º, Timor-Leste no 103º lugar e Angola no 123º posto fecham a lista dos países lusófonos.
A nível dos países africanos de língua portuguesa, o destaque vai para Guiné-Bissau que subiu 5 pontos, ao ocupar agora a 81ª posição. Em 2014, teve mais 1,35 ponto e não registou nenhum caso de abuso.
Cabo Verde, embora tenha caído 12 lugares devido ao registo de menos 6.37 pontos, continua a ser o país lusófono melhor colocado, na 34ª posição. O arquipélago não registou nenhum caso de abuso e é terceiro em África.
No índice dos Repórteres Sem Fronteiras, Moçambique teve menos 0,72 pontos e caiu seis lugares, ocupando agora a 85ª posição, e um registo de 29.98 pontos de abusos contra a liberdade de imprensa.
Angola é o lusófono pior colocado. Embora tenha aumentado um lugar, ocupando agora o lugar 123, perdeu 1.34 pontos e atingiu uma taxa de 37.84 de abusos. Angola integra o grupo vermelho dos países com menos liberdade de imprensa no mundo.
Na análise da RSF, a Coreia do Norte e a Eritreia encerram a lista da liberdade de imprensa, constituindo-se, assim, nos piores locais para os jornalistas trabalharem.
A liberdade “made in” MPLA
Previsivelmente como uma das correias de transmissão da propaganda do regime, o Jornal de Angola (JA) tem uma explicação emblemática para a posição do nosso país. Dirá algo como: “A liberdade de imprensa convive com abusos repugnantes e os novos jornais até começaram a servir para crimes de chantagem e extorsão”, ou ”quase sempre são palcos de intrigas, veículos de ataques pessoais, mananciais de insultos, calúnias e difamações.”
Por saber ficará se os crimes aludidos pelo JA têm a ver com o 27 de Maio de 1977, uma purga que os jornais privados dizem ter sacrificado milhares e mielhares de angolanos mas que, na verdade e certamente segundo a análise do impoluto pasquim do MPLA, nem sequer existiu.
Dirá o JA que “o Presidente da República é o alvo privilegiado dos jornais privados. Há entre eles uma competição estranha que consiste em ver qual deles fere mais a honra e o bom-nome de José Eduardo dos Santos. O mais alto magistrado da Nação é tratado como um pária ante a indiferença dos órgãos de Justiça, das organizações dos jornalistas, das associações patronais e, pasme-se, do Conselho Nacional da Comunicação Social.”
Justificará o Pravda que estamos todos conluiados para denegrir a imagem do impoluto, honorável e divino Presidente da República, não compreendendo que estar há 36 anos no poder sem nunca ter sido nominalmente eleito é a mais sublime prova da vitalidade democrática do regime angolano.
Da brilhante (como sempre) análise do JA resultará que “de 2008 para cá as coisas melhoraram”. Isto é, “os jornais privados que mais se destacavam na calúnia e no insulto ao Chefe de Estado abandonaram esse caminho. Mas em compensação outros redobraram os crimes de abuso de liberdade de imprensa. Sabe-se agora porquê.”
O jornal não explicará mas nós damos uma ajudinha, certamente no cumprimento das mais puras e transparentes regras éticas e deontológica, a razão pela qual alguns jornais abandonaram esse caminho. Também não precisa de explicar. Todos sabem que foram comprados e ou silenciados pelo regime.
Escreverá o JA que “o “Folha 8” é o órgão oficial da CASA-CE e dá uma mão à UNITA, nas suas investidas contra o Estado Democrático e de Direito. O “Novo Jornal” é o suporte de “manifestantes” que têm uma única mensagem à sociedade: insultos grosseiros ao Presidente da República e o objectivo de derrubá-lo.”
Em cheio. Não há dúvida. Nenhum jornal no mundo bate o Jornal de Angola. É que não só analisa como dá notícias em primeiríssima mão. Então não é que Angola é um Estado Democrático e de Direito? Ora tomem!
Ao fim e ao cabo, todos os jornais “se encarregam de fazer alastrar a mancha da calúnia e do insulto. Com mais ou menos competência. Mas seguramente com resultados catastróficos para o jornalismo angolano.” Valha-nos ao menos a existência desse paradigma de nobreza e altruísmo, verdadeira catedral do jornalismo, que dá pelo nome de Jornal de Angola.
O JA insurgir-se-á mais uma vez contra algo que os políticos aprenderam com o MPLA e com o seu Pravda, mas que – obviamente – só deve ser aplicado em relação aos outros. Então não é que “com um sorriso próprio dos porcos”, os dirigentes do PRS “chamam aos membros do Executivo mafiosos e ladrões” e “acusam instituições do Estado de envenenarem e assassinarem cidadãos”?
Francamente. Os políticos deveriam saber que há verdades que não devem ser ditas.
“A UNITA segue o mesmo caminho mas com um pouco mais de compostura. Tem como mentor um qualquer Rafael Marques. A CASA-CE faz dos tempos de antena sucursais do “Folha 8” mas um pouco mais primários. São violentíssimos ataques à inteligência dos eleitores e golpes fatais contra a ética política. Se não havia ética no “jornalismo” que faziam, muito menos existe agora, quando vivemos num período em que os salteadores da política agem como se valesse tudo menos tirar olhos”, escreverá o JA.
Ficaremos também a saber, graças – corrobore-se – à honorabilidade do JA, que os leitores têm inteligência e que Rafael Marques e William Tonet estão a desgraçar o país e cometer crimes contra tudo, nomeadamente contra a segurança do Estado. E estão mesmo, reconheçamos. É que eles, como nós, querem que Angola seja mesmo um Estado de Direito Democrático. E como não é, todos os que teimam em pensar de forma diferente são culpados de tudo.
Para o Comité Central do MPLA, via Jornal de Angola, “é muito claro que a aposta destes concorrentes é na subversão das regras democráticas. Por isso estão a criar um clima muito parecido com o das eleições de 1992, quando a intimidação e a violência verbal faziam parte do quotidiano da disputa política. De tal forma que tudo acabou numa longa guerra que destruiu Angola.”
Pois é. E o Jornal de Angola ainda vai um dia destes divulgar que a UNITA, a CASA-CE, o PRS, Rafael Marques e William Tonet tem verdadeiros arsenais bélicos debaixo da cama e até disfarçados no disco duro dos computadores.
Num dos mais dignos exemplos de imparcialidade, ética e deontologia o Jornal de Angola dirá que “cabe aos angolanos dar a resposta adequada. Savimbismo, nunca mais!.”
Perante tudo isto, os angolanos têm de lançar uma petição, um amplo movimento mundial, para que Nobel da Paz seja atribuído a Eduardo dos Santos e o Pulitzer ao Pravda do regime, em português “Jornal de Angola”.